Purificação
interior
Quando uma
alma tem certeza moral de estar na graça de Deus, embora despojada dos prazeres
do mundo e dos dons de Deus, está contente sabendo que ama a Deus e é amada por
ele.
Mas o que faz
Deus, querendo vê-la mais purificada e despida de toda a satisfação sensível,
para uni-la toda a si por meio de seu puro amor?
- Coloca-a na prova da desolação
que causa uma dor pior do que todos os sofrimentos interiores e exteriores que
uma alma pode sofrer. Priva-a do conhecimento de estar na graça e a deixa em
densas trevas, de modo a pensar que não mais encontrará a Deus. As vezes Ele
permite que seja assaltada por fortes tentações dos sentidos, tentações contra
a castidade, pensamentos de desconfiança, de desespero e até mesmo de ódio a
Deus.
Parece-lhe
que o Senhor a rejeitou e já não escuta as suas orações. De um lado as
tentações são fortes e a concupiscência se faz sentir, de outro lado, a alma se
vê em tão grande escuridão, que, embora resista com a vontade, não distingue
bem se está resistindo como deve as tentações ou se nelas está consentindo.
Com
isso cresce-lhe o temor de perdido a Deus, e de que Deus, pelas suas
infidelidades nesses combates, justamente a tenha abandonado de todo. Parece-lhe
ter chegado a extrema ruina, de não mais amar a Deus e de ser odiada por ele.
- Santa Tereza experimentou essa
provação. Diz ela que em tal estado, a solidão já não a consolava mas lhe era
um tormento, e quando ia rezar, parecia-lhe encontrar um inferno.
Combater o bom combate
Acontecendo
isso a uma alma que ama a Deus, não deve ficar ela aborrecida nem o diretor
espiritual ficar assustado. Tais movimentos dos sentidos, as tentações contra a
fé, a desconfiança, os impulsos que a movem a odiar a Deus, são temores e
tormentos da alma, esforços do inimigo, mas não são atos voluntários e por isso
não são pecados.
A
pessoa que ama de verdade a Jesus Cristo resiste bem a esses combates e não
consente em tais sugestões. Envolvida pelas trevas, não sabe distinguir o seu
estado e se perturba. Vendo-se afastada da presença da graça, teme e se aflige.
Bem se pode ver, nessas almas assim provadas, que tudo é medo e apreensão, mas
não realidade. Perguntai-lhes se, enquanto se encontram abandonadas assim,
cometeriam um só pecado venial conscientemente. Resolutamente responderiam
estar prontas a sofrer, não uma, mas mil mortes, antes de deliberadamente dar
um desgosto a Deus.
Unir-se a vontade de Deus
Devemos distinguir:
- Uma coisa é fazer um ato bom,
como vencer a tentação, confiar em Deus, amar e querer o que Deus quer.
- Outra coisa é conhecer que, de
fato, fazemos esse ato bom.
- Conhecer que fazemos um ato bom
traz-nos consolação. O proveito não nos vem de conhecer que praticamos uma boa
ação, mas de a praticarmos.
Deus
contenta-se com o ato feito e priva a alma do conhecimento. Assim ele lhe tira
toda a satisfação própria que, na verdade, nada acrescenta ao ato praticado. O Senhor
quer mais o nosso proveito do que a nossa satisfação.
Consolando
uma pessoa aflita, São João da Cruz escreveu-lhe:
“Nunca estiveste em melhor estado
do que este, porque nunca estiveste tão humilhada e desapegada do mundo. Nunca te
reconheceste tão miserável como agora, nem despojada e longe de procurar a ti
mesma”
Não
creiamos, enfim, ser mais amados de Deus quando sentimos as consolações
espirituais, pois, a perfeição não consiste nisso, mas em mortificar a nossa
vontade e uni-la a vontade de Deus.
Perseverança na desolação
Nessa
desolação a alma não deve dar ouvidos a tentação que sugere Deus tê-la
abandonado, nem deixar a oração, pois é isso que o demônio pretende para
jogá-la no precipício. Diz Santa Tereza:
“O Senhor prova com
aridez e tentações aqueles que o amam.
Ainda que a aridez
dure toda a vida, não deixe a alma a oração; tempo virá em que tudo lhe será
bem pago”.
Em
tal estado de sofrimento, a alma deve humilhar-se, julgando-se merecedora de
ser assim tratada pelas ofensas feitas a Deus. Humilhar-se e resignar-se
inteiramente a vontade divina, dizendo-lhe:
“Aqui estou, Senhor. Se
me quereis assim desolada e aflita durante toda a minha vida ou mesmo por toda
a eternidade, dai-me a vossa graça, fazei que eu vos ame; depois disponde de
mim como for do vosso agrado”.
Manter-se em estado de graça
Querer
a alma ter a certeza de estar na graça de Deus, ou de que isto é provação e não
abandono de Deus, será inútil e talvez causa de maior inquietação pois Ele não
quer que ela saiba.
Não o quer para maior bem, para
que a alma se humilhe mais e multiplique as orações e atos de confiança na sua
misericórdia.
A alma quer ver e
Deus não quer que veja.
Além
disso, São Francisco de Sales diz: A resolução de não consentir em nenhum
pecado, por pequeno que seja, nos assegura que estamos em estado de graça”.
Mas,
quando a alma se encontra em grande desolação, nem isso conhece claramente. Ela
não deve pretender sentir o que deseja, basta-lhe querer com a limitação de sua
vontade. Dessa forma, deve abandonar-se toda nos braços da bondade divina. Oh! Como
agradam a Deus esses atos de confiança e de resignação no meio das trevas da
desolação! Confiemos no Senhor que, como diz Santa Tereza, nos ama mais do que
nós amamos a nós mesmos”.
A Prática de amor a Jesus Cristo Cap XVII–
Santo Afonso Maria de Ligório
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