A paz no coração
6. “De onde vem a guerra, senão de
vossas concupiscências? Tg4,1
- Quando alguém fica tomado de
cólera por qualquer contrariedade, pensa encontrar alívio e paz desafogando sua
raiva com atos ou, ao menos, com palavras. É um engano porque, depois desse
desabafo, ficará muito mais perturbado do que antes. Quem deseja conservar-se
em paz contínua, procure jamais estar de mau humor. Percebendo estar dominado
por ele, procure libertar-se imediatamente e não o deixe dormir consigo nem uma
noite, distraindo-se com alguma leitura, um canto piedoso, ou a conversa
agradável de algum amigo.
Diz a Sagrada Escritura: “É no coração dos insensatos que
reside a irritação” Eclo7,9 a cólera no coração dos insensatos, que pouco amam
a Jesus Cristo, encontra morada por muito tempo. Mas no coração daqueles que
amam a Jesus Cristo, se por acaso entrar, é logo expulsa e não permanece. Quem
ama a Jesus de coração, nunca está de mau humor. Não querendo senão o que Deus
quer, sempre tem tudo o que quer e por isso se encontra sempre tranquilo e
sempre o mesmo. A vontade de Deus o tranquiliza em todas as dificuldades que
acontecem, e por isso demonstra para com todos uma total mansidão. Essa
mansidão não pode ser alcançada sem um grande amor a Jesus Cristo. De fato,
percebe-se que nunca somos mais delicados e mansos com os outros, do que quando
sentimos maior ternura a Jesus Cristo.
7. Por não experimentarmos sempre esta ternura, é preciso
que na oração mental nos preparemos para sofrer as contrariedades que nos
possam sobrevir. Assim fizeram os santos e ficaram prontos para receber com
paciência e mansidão as ofensas, os insultos e as mágoas.
No momento em que somos atingidos pelos insultos do
próximo, se não estivermos preparados, dificilmente saberemos o que fazer para
não sermos vencidos pela raiva. A paixão nos fará julgar razoável rebater com
atrevimento o atrevimento de quem nos maltrata sem razão. Mas diz S. João
Crisóstomo que não é um meio adequado para apagar um fogo aceso no coração do
próximo, usar o fogo de uma resposta ressentida, que mais o inflama: “Fogo não
se apaga com fogo”.
- Mas não é justo –dirá
alguém- usar delicadeza e mansidão com um atrevido que nos ofende sem razão.
- É preciso usar de mansidão
–responde S.Francisco Sales- não só com a razão, mas também contra a razão
8. Nesses casos é preciso responder com uma palavra
branda: esse é o meio de apagar o fogo: “A resposta mansa aplaca a ira”. Mas
quando nosso animo está agitado, o melhor é calar-se.
- S.Bernardo: “A vista
ofuscada pela raiva não enxerga direito”. Os olhos ofuscados pela ira já não
veem o que é justo ou injusto. A paixão é como um véu colocado diante dos olhos
não nos permitindo distinguir o certo do errado. “É necessário fazer um
contrato com a língua, de não falar quando o meu coração estiver agitado”
Corrigir com amor
9. Algumas vezes é necessário corrigir um insolente com
palavras ásperas. “Irai-vos, mas sem pecar” Sl 4,5. As vezes é licito ficar irado
mas sem pecar e aí é que está a dificuldade. Teoricamente falando, pode parecer
em certos momentos conveniente falar ou responder com aspereza para fazer
alguém entrar em si. O caminho seguro é o chamar a atenção ou responder com
brandura e estar atento para não se deixar levar pela raiva. “Eu nunca me
deixei conduzir pela ira –Dizia S.Francisco Sales- sem que logo me tenha
arrependido”
Quando nos sentimos ainda perturbados, como disse acima,
o caminho mais seguro é calar, reservando a resposta ou admoestação para um
momento mais oportuno, quando o coração estiver mais sossegado.
10. Devemos especialmente praticar a mansidão ao sermos
corrigidos por nossos superiores ou amigos.
- S.Francisco Sales: “Aceitar
de bom grado as repreensões é sinal de que amamos as virtudes contrárias aos
defeitos de que somos corrigidos. É um grande sinal de progresso na perfeição”.
É preciso também usar a mansidão para conosco mesmos. O
demônio mostra-nos como coisa louvável o ficar com raiva de nós mesmos quando
cometemos uma falta. Mas não; isso é tentação dele que se esforça para nos
inquietar a fim de que não possamos fazer nenhum bem.
- “Tende por certo que todos
os pensamentos, que nos trazem inquietação, não vêm de Deus, príncipe da paz.
Eles vêm ou do demônio ou do amor próprio ou da estima desregrada que temos de
nós mesmos. São essas as três fontes de onde brotam todas as nossas
perturbações. Por isso, quando aparecem pensamentos que nos inquietam, é
necessário rejeitá-los e desprezá-los logo”
11. a mansidão também nos é muito necessária quando temos
que repreender os outros. Admoestações feitas com zelo amargo causam mais
frequentemente mais prejuízo do que
proveito, principalmente estando perturbada a pessoa a ser corrigida. Deve-se
então retardar a correção e esperar uma oportunidade em que esteja acalmado o
fogo da raiva.
Deixemos, ainda, de corrigir os outros, quando estamos de
mau humor. Nesse estado, a admoestação será sempre feita com aspereza. A
pessoa, vendo-se repreendida desse modo, fará pouco caso da admoestação, por
ser feita com paixão. Isto vale tratando-se do bem do próximo. No que se refere
ai nosso proveito, mostremos que amamos a Jesus Cristo, suportando com paz e
alegria os maus tratos, as injurias e os desprezos.
Oração
Meu Jesus desprezado, amor e alegria de minha vida. Com
vosso exemplo, tornastes possível ais que vos amam, amar também s desprezos. De
hoje em diante eu vos prometo sofrer, por vosso amor, todas as ofensas, já que
por meu amor fostes tão injuriado pelos homens, neste mundo. Dai-me forças para
realiza-lo, fazei-me conhecer e praticar tudo o que desejais de mim.
Meu Deus e meu tudo, não quero procurar outro bem fora de
vós, bondade infinita. Vós que cuidais tanto de meu progresso, fazei que eu não
tenha outro cuidado senão o de vos dar alegria. Fazei que meus pensamentos
sejam empregados sempre em fugir de tudo. Afastai de mim toda a ocasião que me
afaste de vosso amor. Privo-me de minha liberdade e a consagro toda a vossa
divina vontade.
Eu vos amo, bondade sem fim, Verbo encarnado, amo-vos
mais do que a mim mesmo. Tende piedade de mim e curai todas as feridas de que
sofre minha alma por causa das ofensas que vis fiz.
- Abandono-me inteiramente em
vossos braços, meu bom Jesus: quero vos pertencer, quero sofrer por vosso amor;
só a vós desejo.
Maria, virgem santa e minha mãe, eu vos amor e em vós
confio. Socorrei-me com a vossa poderosa intercessão! Amém.
A Prática de amor a Jesus Cristo Cap XII–
Santo Afonso Maria de Ligório
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