- Na Terra não se pode
conceber ofício mais elevado que o serviço de Deus, e o menor dos servos de
Deus é mais rico, mais poderoso e mais nobre que todos os reis e imperadores do
mundo, se estes não servem a Deus. Então, quais não serão as riquezas, o poder
e a dignidade do fiel e perfeito servo de Deus, que se dedique inteiramente ao
seu serviço, sem reservas, tanto quanto possível! Tal é o fiel e amoroso
escravo de Jesus por Maria, que entregou-se todo ao serviço deste Rei dos reis
pelas mãos da sua Santa Mãe, e nada reservou para si:
todo o ouro da Terra e as
belezas do Céu são insuficientes para o pagar.
§136. As outras congregações, associações e confrarias erigidas
em honra de Nosso Senhor e de sua Santa Mãe, que fazem grande bem para o
Cristianismo, não nos levam a dar tudo sem reserva. Apenas prescrevem aos seus
associados a obrigação de certas práticas e ações, mas deixam-lhes livres todos
os outros atos e momentos da vida. Mas esta Devoção de que falamos faz-nos
dar incondicionalmente a Jesus e a Maria todos os pensamentos, palavras, ações,
sofrimentos e instantes da nossa vida: assim, quer velemos, quer durmamos, quer
bebamos ou comamos, quer façamos grandes ou pequeninas coisas, poderemos sempre
dizer que tudo o que fazemos, embora nisso não pensemos, pertence a Jesus e
a Maria em virtude do nosso oferecimento (1 Cor 10, 31), a não ser
que o tenhamos expressamente revogado. Que consolação!
§137. Além disso, como já ficou dito, não há nenhuma outra prática
que nos liberte mais facilmente dum certo espírito de propriedade que penetra
imperceptivelmente nas melhores ações. O nosso bom Jesus concede esta grande
graça em recompensa do ato heróico e desinteressado que se fez, àquele que,
pelas mãos de sua Mãe, cedeu-lhe todo o valor das boas obras. - Se Ele dá cem
por um, mesmo neste mundo (Mt 19,29), àqueles que por seu amor deixam os bens
exteriores, temporais, perecedouros, que recompensa não dará àqueles que lhe
sacrificarem mesmo seus bens interiores e espirituais?!
§138. Jesus, o nosso grande amigo, deu-se-nos sem reserva, corpo
e alma, virtudes, graças e méritos: “Ele ganhou-me todo, dando-se todo a
mim”, diz São Bernardo. Não é um dever de justiça e de reconhecimento que
lhe demos tudo o que nos for possível dar? Ele foi o primeiro a ser liberal
para conosco. Sejamo-lo também para com Ele, e o veremos cada vez ainda mais liberal,
durante a nossa vida, na hora da morte e por toda a eternidade:
“Ele será
generoso para com aqueles que são generosos para com Ele” (Sl
17, 26).
Esta Devoção nos faz imitar o exemplo dado
por Jesus Cristo e por Deus mesmo, e praticar a humildade
§139. Segundo motivo, que nos mostra ser justo, em si mesmo, e
vantajoso para o cristão o consagrar-se inteiramente a Maria Santíssima com
esta prática, com o fim de ser consagrado mais perfeitamente a Jesus Cristo.
- Este bom Mestre não recusou
encerrar-se no seio da Santíssima Virgem como um cativo e escravo de amor, nem ser-lhe
submisso e obedecer-lhe durante trinta anos. E aqui, repito, que o espírito
humano se perde, ao refletir seriamente sobre esta maneira de proceder da
Sabedoria Encarnada. – Embora o pudesse fazer, não quis dar-se diretamente aos
homens, mas fê-lo pela Virgem Santíssima. Não quis vir ao mundo na idade de
homem perfeito, independente de outrem, mas antes como uma pobre e pequenina
criança, dependente dos cuidados e sustento de sua Mãe. Esta Sabedoria
Infinita, que tinha um desejo imenso de glorificar a Deus, seu Pai, e de salvar
os homens, não achou meio mais perfeito nem mais rápido para o fazer do que
submeter-se à Santíssima Virgem. E era uma submissão em todas as coisas, não
somente durante os oito, dez ou quinze primeiros anos da sua vida, como as
outras crianças, mas durante trinta anos.
- E deu mais glória a seu
Pai durante esse tempo de sujeição e dependência da Virgem Santíssima, do que
lhe teria dado empregando esses trinta anos a fazer prodígios, a pregar por
toda a Terra, a converter todos os homens, do contrário, Ele o teria feito. Oh! Como glorifica
altamente a Deus quem se submete a Maria, seguindo o exemplo de Jesus!
- Tendo diante dos olhos um
exemplo tão visível e conhecido de todos, seremos tão insensatos para julgar
possível encontrar um meio mais perfeito e mais direto de glorificar a Deus, do
que a sua submissão a Maria, a exemplo de seu Divino Filho?
§140. Recorde-se aqui, como prova da dependência que devemos ter
para com a Mãe de Deus, o que acima disse, apontando os exemplos que o Pai, o
Filho e o Espírito Santo nos dão da sujeição que devemos à S. Virgem.
- O Pai não deu nem
dá seu Filho senão por Ela, não suscita novos filhos senão por Ela, e não
comunica as suas graças senão por Ela.
- Deus Filho não foi
formado para todos em geral senão por Ela; não é formado e gerado todos os dias
(nas almas), em união com o Espírito Santo, e não comunica os Seus méritos e
virtudes, a não ser por Ela.
- O Espírito Santo não
formou Jesus Cristo senão por meio d'Ela, e não forma os membros do seu Corpo
Místico, a não ser por Ela; não dispensa os Seus dons e favores senão por Ela.
- Poderemos, sem uma extrema cegueira, depois de tantos e
tão insistentes
exemplos da Santíssima
Trindade, passar sem Maria, não nos consagrar a Ela e nem depender d'Ela para
irmos a Deus e nos sacrificarmos a Deus?
§141. Eis algumas passagens dos Padres, que escolhi para provar
o que acabo de dizer:
“Maria tem dois filhos, um
Homem-Deus e o outro homem puro. Do primeiro é Mãe corporalmente e do segundo espiritualmente”
(São Boaventura e Orígenes).
“Esta é a vontade de Deus,
que quis recebêssemos tudo por Maria.
Se, pois, temos alguma esperança,
alguma graça, algum dom salutar, saibamos que nos vem d'Ela”. “Porque eras indigno de receber as graças divinas, elas
foram dadas a Maria, a fim de que recebas por Ela tudo o que venhas a possuir” (São
Bernardo).
“Todos os dons, virtudes e
graças do Espírito Santo são distribuídos pelas mãos de Maria, a quem Ela quer,
quando, como e na medida que Ela quer” (São
Bernardino).
§142. Deus - como diz São Bernardo - vendo que somos indignos
de receber as graças diretamente das suas mãos, dá-as a Maria, a fim de que por
Ela recebamos tudo o que Ele nos quis dar. E Deus encontra também a sua glória
em receber, pelas mãos de Maria, o reconhecimento, o respeito e o amor que lhe
devemos pelos Seus benefícios. É, pois, muito justo, que imitemos o
procedimento de Deus, “para que a graça regresse ao seu Autor pelo mesmo
canal por onde veio”, segundo o mesmo São Bernardo.
- É precisamente o que fazemos
por esta Devoção: oferecemos e consagramos tudo o que somos e tudo o que
possuímos à Santíssima Virgem, para que Nosso Senhor receba por seu intermédio
a glória e o reconhecimento que lhe devemos.
- Reconhecemo-nos indignos e
incapazes de nos abeirarmos da sua Majestade infinita só por nós mesmos, e por
isso servimo-nos da intercessão da Santíssima Virgem.
§143. Além disso, trata-se aqui de um ato de profunda
humildade, virtude que Deus ama acima de todas as outras. Uma alma que se
eleva, rebaixa a Deus; uma alma que se humilha, eleva a Deus (Jo 3, 30). Deus
resiste aos soberbos e dá a sua graça aos humildes (Tg 4, 6). Se nos
humilharmos, julgando-nos indignos de comparecer perante Deus e de nos
aproximar d’Ele, Deus desce, abaixa-se para vir a nós, para se comprazer em nós
e nos elevar, apesar da nossa miséria. Mas, pelo contrário, quando alguém se
aproxima ousadamente de Deus, sem querer medianeiros, Deus esquiva-se, e não
podemos chegar até Ele. Oh! Como Ele ama a humildade de coração! - É a tal humildade
que leva a prática desta Devoção, pois ensina a nunca nos aproximarmos de Nosso
Senhor por nós mesmos, por mais doce e misericordioso que Ele seja, mas a
servir-nos sempre da intercessão de Maria, para comparecer diante de Deus, seja
para lhe falar, seja para simplesmente estreitar a proximidade, seja para lhe
oferecer alguma coisa, seja para unir-nos e consagrar-nos a Ele.
Tratado da Verdadeira Devoção a
Santíssima Virgem Maria / São Luis Maria Grignion de
Monfort
Nenhum comentário:
Postar um comentário